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Tratamento de transtorno psíquico vai além do uso de remédios

26/05/2015


Estar em grupo, cantar, desenvolver trabalhos manuais, fazer passeios ao ar livre, visitar exposições de arte. Atividades como essas fazem parte de uma perspectiva humanizada de tratamento de pacientes com transtornos psíquicos. Dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são os principais fomentadores dessas práticas, que são fundamentais no processo de inclusão social dessas pessoas.

De acordo com a coordenadora do CAPS Cidade – vinculado à Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) –, Ana Maria Domingues Carvalho, esses mecanismos terapêuticos possibilitam ao paciente descobrir novas potencialidades e possibilidades, reafirmam seu compromisso com suas atividades diárias e viabilizam o resgate de sua autoestima.

“O paciente se torna menos dependente da família e da equipe assistencial e passa a ter mais autonomia, tornando-se protagonista de sua trajetória. Essa condição gera um bem-estar que contribui para melhorar o convívio social, além de evitar e reduzir as internações por descompensação do quadro psiquiátrico”, detalha Ana Maria.

CORAL DO CAPS CIDADES - Elizabeth, Fátima, Lourdes e Bispo fazem parte do coral Cantando a Cidade, do CAPS Cidade, junto com outros pacientes e funcionários. Com o grupo, eles ensaiam toda semana e vira e mexe fazem apresentações. As últimas aconteceram na última semana. Foram quatro apresentações em espaços públicos da Grande Vitória em alusão ao Dia Nacional de Luta Antimanicomial, celebrado em 18 de maio.

“Pintura em tela, pintura em pano de prato, bordado... Aprendemos tudo aqui. Eu gosto das atividades do CAPS. A gente fica mais alegre, esquece as ideias negativas que passam pela cabeça”, diz Elizabeth Lacerda Ribeiro, 58 anos, que desde a infância passou por longos períodos de internação. Beth, que morava com a mãe, continuou na mesma casa depois que ela faleceu. É no mesmo quintal da família, mas ela mora sozinha, algo que representa bem sua independência.

OFICINA DE PINTURA - Além de cantar no coral, Bispo Lessa da Silva, 58 anos, ensina pintura em tela para outros pacientes do CAPS Cidade. Apaixonado pelos pincéis, ele conta que trabalhava sem parar como pedreiro, cobrador de ônibus, fotógrafo e pintor de parede, antes de cair numa depressão severa causada por estresse há mais de dez anos.

“Houve uma época em que eu não conseguia segurar um prato na mão de tanto que eu tremia. Tomava vários medicamentos. Às vezes ainda tenho a sensação de que estou sendo vigiado, mas já tomo menos remédios e estou de pé”, conta Bispo. Ele, que tem a voz tranquila e mantém o sorriso no rosto, sempre sonhou fazer pintura artística, e no CAPS pode colocar em prática o dom de pintar quadros, o que o deixa feliz.

CURA - De acordo com a coordenadora da Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), Maristela de Amorim Coelho, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 3% da população geral brasileira sofrem com transtornos mentais graves e persistentes, 6% apresentam transtornos psiquiátricos graves decorrentes do uso de álcool e outras drogas e 12% necessitam de algum atendimento, seja contínuo ou eventual.

Segundo ela, o índice de utilização dos serviços de saúde ainda é baixo no país, está em torno de 13%. Maristela Coelho diz que a maioria das pessoas que sofrem de algum transtorno mental não busca atendimento em saúde mental por diversos motivos, entre eles o estigma, o desconhecimento da doença, o preconceito e o medo.

Conforme explica a coordenadora do CAPS Cidade, Ana Maria Domingues Carvalho, falar em cura de transtornos psíquicos graves é uma questão polêmica porque, segundo ela, ainda não existe um indicativo de que isso seja possível. Mas ela ressalta que as doenças mentais podem ser tratadas e os pacientes podem sim ter qualidade de vida.

“A pessoa não precisa estar excluída porque é louca. O delírio, ou seja, aquilo que é muito particular do sujeito, portanto o distancia do social, mantém o paciente refém, uma vez que a troca com os pares fica comprometida. Quando se consegue fazer com que a loucura dele venha a público, ele tem a possibilidade de fazer o laço social. Num coral, por exemplo, ele passa a fazer parte de um grupo em que todos têm o mesmo objetivo”, explica Ana Maria, que usa o termo loucura com muita tranquilidade.

Ela diz que a palavra loucura tem um peso muito negativo na sociedade e convida as pessoas a pensarem de forma diferente não apenas o termo, mas a condição da pessoa com transtorno psíquico.

AUTONOMIA - Morador de uma residência terapêutica, Jorge Eustáquio dos Santos, 51 anos, sai de casa sozinho e vai andar pela cidade. Sensação boa de liberdade que ele nunca sentiu durante os anos em que ficou internado. “Eu gosto de morar aqui. Lá não podia sair sozinho, só acompanhado”, conta.

Assim como outros pacientes que moram em residências terapêuticas, Jorge Eustáquio faz acompanhamento num Centro de Atenção Psicossocial. A coordenadora do CAPS Moxuara, Maria das Graças Moutinho Trancoso, conta que ele gosta de participar do Grupo Tramas, uma oficina terapêutica que confecciona tapeçaria. “As peças produzidas pelos pacientes são vendidas e a renda é entregue a eles”, diz a coordenadora.

Sair sozinho, ter o seu próprio dinheiro e poder comprar o que ele quiser. A psicóloga Gabriela Bertulozo Ferreira, do CAPS Moxuara, diz que a individualidade é um fator extremamente importante para o bem-estar do paciente. “A identidade do paciente fica comprometida em casos de internação prolongada. Ele vê todos os dias as mesmas paredes, as mesmas pessoas. Ele não tem objetos pessoais. Tudo é de todo mundo. Por isso é tão difícil retomar a vida para alguns pacientes transferidos da internação para as residências terapêuticas”, detalha a psicóloga, que ressalta a importância do resgate da autonomia e do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

“Em casos mais crônicos, não podemos pensar em grandes avanços, pelo menos inicialmente. Alguns pacientes nem falam, mas numa oficina de dança, por exemplo, expressam um sorriso. Via de regra, se o paciente gosta de determinada atividade, a oficina vai ajudá-lo. É um momento em que a pessoa se ocupa e se sente valorizada porque, ao final, ela vê o resultado de algo que ela produziu. Muitos pacientes dizem “eu não sei”, “eu não consigo”, e aos poucos vamos trabalhando esses sentimentos com eles. Quem sabe despertar neles a vontade de voltar a estudar, de voltar a trabalhar. Podemos criar possibilidades, crias novas formas de viver e de estar no mundo”, conclui Gabriela.

 

FOTO: Divulgação / SESA

(Os textos publicados são produzidos pela Rede de Comunicação do Governo do Espírito Santo